Hoje, o Diário Oficial da União trouxe uma publicação que, para quem acompanha com atenção os movimentos da indústria farmacêutica e a evolução da política pública de acesso a terapia gênica, representa mais do que um simples extrato: é um marco. Foi firmado um novo Acordo de Compartilhamento de Risco entre o Ministério da Saúde e a Novartis Biociências S.A. para o fornecimento do Zolgensma® (onasemnogeno abeparvoveque), uma das terapias gênicas mais inovadoras do mundo, indicada para tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME). [Extrato. Publicado em: 26/03/2025 | Edição: 58 | Seção: 3 | Página: 560. Órgão: Ministério da Saúde/Gabinete do Ministro]
Esse acordo é mais um passo em uma trajetória que começou de forma oficial em 2019, quando o Ministério da Saúde instituiu, por meio da PORTARIA Nº 1.297, DE 11 DE JUNHO DE 2019, um projeto piloto de compartilhamento de risco com a Biogen, para acesso ao Spinraza (nusinersena), também voltado à AME. À época, tratava-se de uma resposta às incertezas científicas e econômicas que envolviam o uso da medicação para os tipos II e III da doença. A proposta era clara: permitir o acesso a uma tecnologia de alto custo, enquanto se coletavam evidências em condições reais de uso, com parâmetros de efetividade bem definidos e cláusulas que possibilitavam revisão e ajustes.
Poucos meses depois, em outubro de 2019, a iniciativa ganhou corpo com a PORTARIA Nº 1.232, DE 22 DE OUTUBRO DE 2019, que incluiu oficialmente o nusinersena na Tabela de Procedimentos do SUS, organizando seu fornecimento no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica e amarrando sua disponibilização às condições do acordo de risco estabelecido.
Ainda em 2019, outro movimento importante: o PROADI-SUS viabilizou um projeto com o Hospital Albert Einstein para apoiar o Ministério da Saúde no monitoramento pós-incorporação de tecnologias e no amadurecimento dos acordos de risco. Ali começamos a ver um esforço institucional para amadurecer o modelo, com base em valor, dados reais e evidências científicas. [EXTRATO DE INSTRUMENTO CONTRATUAL]
Esse caminho, que parecia experimental, foi se tornando política pública. Em 2022, por meio da PORTARIA SCTIE/MS Nº 172, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2022, o Zolgensma® foi oficialmente incorporado ao SUS para pacientes com AME tipo I com até 6 meses de idade, fora de ventilação invasiva acima de 16 horas por dia. Mais uma vez, com base em Acordo de Compartilhamento de Risco. O que antes era projeto piloto, agora já se tornava prática consolidada.
E chegamos ao dia de hoje. O novo acordo com a Novartis estabelece não apenas os termos do fornecimento do Zolgensma®, mas reforça uma lógica que pode (e deve) se expandir para outras terapias gênicas e tecnologias inovadoras: o compartilhamento de responsabilidade entre setor público e privado, a mitigação de incertezas clínicas e econômicas, e a centralidade do paciente e dos resultados em saúde.
Como entusiasta das terapias avançadas, confesso que me emociona acompanhar esse movimento. Ver o Brasil trilhando esse caminho — com estrutura, critérios e pactuação transparente — mostra que há espaço, sim, para inovação radical dentro do SUS. E mais do que isso: mostra que é possível fazer isso com responsabilidade, construindo pontes entre a ciência de ponta e a realidade da saúde pública.
Seguiremos acompanhando e torcendo para que essa lógica se estenda a outras patologias e medicamentos, e que as agências reguladoras, como a ANVISA, sigam fortalecendo sua atuação integrada com as demais instâncias do sistema, para garantir que a inovação não seja só descoberta — mas também, de fato, acesso.
CECILIA FREITAS RODRIGUES
Advogada | Sócia-Administradora
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